Quando eu passei a me dedicar à tributação de criptoativos, e privilegiei, por mera simpatia pessoal, a tributação de pessoa física, eu me pus a explicar para este público como a lógica contábil poderia ser transposta para esse universo. E tanto havia plausibilidade que, com o passar do tempo, o próprio regulador, no caso, a Receita Federal, consolidou muitas dessas proposições. E por quê?
Bom, aí eu preciso voltar a bater numa tecla importante, algo que já expliquei exaustivamente inúmeras vezes: o imposto de renda é um imposto logicamente perfeito, pois expressa com exatidão a evolução patrimonial do contribuinte; e a sua declaração nada mais é que a representação de um capítulo da sua vida fiscal e financeira. Mas, curiosamente, o que eu vejo na prática é que toda essa lógica e clareza são obliteradas quando surge o fator criptoativo nas declaração. É esse o tema que quero abordar nessa breve reflexão.
O trabalho que eu venho desenvolvendo nesse meio fez com que eu me tornasse uma referência na contabilidade de criptoativos. A linguagem clara, simples e objetiva atraiu o interesse de muitos contribuintes, que passaram a ter em mim um norte sobre como proceder em relação às suas obrigações fiscais, sejam principais ou acessórias, no caso particular das operações com criptoativos. E não foram somente pessoas físicas que começaram a prestar atenção nesse trabalho, já que um número expressivo de contadores e empresas também passaram a me procurar, na busca por fundamentação, especialmente escrita, sobre a maneira mais adequada de se proceder ao lançamento contábil.
O que eu posso dizer? Na contabilidade de criptoativos não há algo como a Lei 6406/76, o manual considerado o bê-a-bá da Contabilidade, ou a Circular nº 2271, do Bacen, que determina como empresas equiparadas a instituições financeiras devem proceder com capital de terceiros. Esses são apenas alguns exemplos, poderia citar outros, sobre por que não há uma resposta pronta para todos os questionamentos que hoje pairam no mercado. E o que eu tenho percebido é as lacunas referentes ao lançamento contábil de criptoativos acabam funcionando como combustível perfeito para o surgimento das mais diversas teses, sejam elas de natureza jurídica ou contábil, que, embora muitas vezes pertinentes, deslocam o foco da discussão, em detrimento das respostas tão necessárias e urgentes que o mercado demanda.
É evidente que a regulamentação estatal não caminha na mesma velocidade que as soluções do mundo real. Ela é fruto de um longo processo de maturação, que envolve profunda compreensão de todos os aspectos envolvidos, para, então, num momento posterior, ser materializada. Claro, toda inovação de caráter revolucionário implica quebra de paradigmas e criação de novas fronteiras. E é por tal complexidade que o arcabouço jurídico-tributário vai sendo forjado segundo o princípio da máxima cautela.
Mas quais caminhos percorremos enquanto isso? Para onde vamos? Como tributamos? Como registramos os fatos contábeis?
O que eu tenho a dizer aqui vale tanto para pessoa física quanto para pessoa jurídica: Contabilidade é uma ciência perfeita e lógica, matemática e conceitualmente, por meio da qual se registra a vida fiscal e financeira de uma pessoa ou de uma empresa.
Mas, se não está escrito, como fazer?
Bom, nem sempre tudo está escrito, a dinâmica dos fatos nos impõe desafios e novidades a todo momento, mas o que não podemos perder de vista é que os princípios contábeis são imutáveis, se aplicam a todas e quaisquer operações, indistintamente. Por exemplo, a identidade da coisa contábil deve ser lógica, transparente, legível, e sempre obedecer à verdade dos fatos. Evidentemente, todos os princípios contábeis básicos e fundamentais se mantêm inalterados e são igualmente aplicados.
E como sabermos se determinada operação envolvendo criptomoedas, tokens ou similares deve ser registrada? Pense comigo: qualquer fato que provoque alteração patrimonial, bem como quaisquer dados que tenham unidade de conta ou controle, são passíveis de contabilização. Não está escrito, mas está implícito. E aí, pessoal, a consequência lógica é a seguinte: algo não estar explicitamente previsto, descrito, não exime o contribuinte de nenhuma obrigação quando ao registro, controle e declaração de suas operações.
Como eu já disse anteriormente, a Contabilidade é uma ciência lógica em todos os sentidos. Já testemunhei muitos absurdos quanto à exclusão arbitrária de determinados registros. Como assim? Todos os fatos contábeis que acontecem no dia a dia devem receber um registro correspondente; toda a história financeira deve ser refletida nos livros contábeis.
Por exemplo, determinadas figuras de custódia e de estoque não carecem de legislação específica, pois por lógica analógica podem receber uma solução adequada. E quanto aos ativos intangíveis, ou infungíveis? Em que momento se tornam um fato contábil passível de ser registrado? O impasse, neste exemplo, se refere ao momento em que essa transformação aconteceu. E, sobre o momento em que se deve tributar determinado ativo, eu apelo para a lógica aplicada às operações com as quais já estamos familiarizados.
Tem estoque? Então tem custo.
Tem venda? Então tem receita.
É atividade-fim? Então é receita operacional.
É investimento? Houve liquidação? Tem variação monetária ativa ou passiva.
Foi emitido pela própria empresa? Então é preciso fazer controle contábil.
É de terceiros? Então envolve custódia.
É custódia? Então você tem um passivo com relação ao recurso/bem custodiado.
E por aí afora.
Poderia continuar elencando muitos outros fatos contábeis, velhos conhecidos nossos, plenamente pacificados quanto à contabilização. E se esse fato não existe? Bom, aí vale o bom senso, sempre o nosso melhor conselheiro.
Vamos pensar um pouquinho, gente. Vamos simplificar. É questão de partir do que já é conhecido e colocar mais a mão na massa!
Muito simplista? Sim. Eu sou contadora, sou guarda-livros mesmo.
Vamos contabilizar!
Por Ana Paula Rabello
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